4 coisas ainda desanimadoras da rotina do professor no Brasil – e 3 coisas que estão melhorando
Aproveitando a comemoração do Dia do Professor, neste domingo, a BBC Brasil perguntou a especialistas e professores quais os principais desafios atuais da profissão – e o que está avançando, mesmo que aos poucos e não uniformemente.
Veja abaixo alguns dos pontos mais citados.
Desafios:
1. Violência em sala de aula
Os socos que um aluno de 15 anos desferiu em uma professora em Indaial (SC), em agosto, abriram um debate nacional sobre a violência no ambiente escolar.
Em São Paulo, 51% dos professores entrevistados por uma pesquisa encomendada pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado) disseram ter sido vítimas de algum tipo de violência na escola; e 61% dos docentes e 72% dos alunos consideram a escola um ambiente de violência.
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Para Maria Izabel Azevedo Noronha, professora e presidente da Apeoesp, a violência é "consequência do abandono da escola pública", citando superlotação de salas de aula e enxugamento de funcionários. Tudo isso, diz, dificulta aos professores conhecer individualmente os problemas de cada aluno.
Também em São Paulo, o governo estadual prometeu dobrar o número de professores-mediadores de conflitos para um total de 6,8 mil – algo que Noronha considera uma "resposta correta, ainda que não seja a salvação".
O problema é complexo porque a escola é um microcosmo que espelha a violência da própria sociedade, explica Inês Kisil Miskalo, gerente-executiva de educação do Instituto Ayrton Senna. E reflete tanto o baixo reconhecimento social do professor quanto a vulnerabilidade dos próprios estudantes.
"Estamos muitas vezes lidando com alunos defasados, desmotivados, de famílias carentes. É algo que precisa ser enxergado não pela via policial, mas do relacionamento – acolhendo os alunos e suas famílias", opina Miskalo.
"Não é algo fácil, mas precisamos romper os ciclos de violência e também dar mais perspectivas de trabalho aos professores, mostrar que seu trabalho não é isolado, é coletivo."
2. Desvalorização da carreira – financeira e socialmente
A baixa valorização e remuneração do professor gera um ciclo vicioso: a carreira não consegue atrair os melhores estudantes, as deficiências de formação se perpetuam e refletem na qualidade do ensino.
Essa desvalorização começa, segundo professores e especialistas, na ausência de planos de carreira em grande parte da rede, na defasagem salarial em relação às demais profissões e na formação deficiente.
A cada 100 alunos de pedagogia ou licenciatura, só 51 concluem o curso, o que ilustra algumas das dificuldades de formação de novos professores, afirma Olavo Nogueira, diretor de políticas públicas do movimento Todos Pela Educação. "Não é à toa que já faltam professores em algumas disciplinas."
"Valorização passa por salário, formação continuada e por (solução de) problemas estruturais", afirma Noronha, da Apeoesp. "Há professores de física, química e artes, por exemplo, que chegam a acumular mil alunos em uma única escola. É muita coisa."
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E há, também, a desvalorização social. Em 2013, o levantamento Índice Global de Status de Professores, que mede o respeito e o status dos docentes na sociedade, colocou o Brasil no penúltimo lugar entre 21 países avaliados.
"É preciso reconhecimento público para o professor, indo além da remuneração", diz Miskalo, do Ayrton Senna. "Isso envolve jogar luz nos bons professores, bater palma para eles, levá-los para a universidade para que contem (a futuros docentes) os segredos que usam na alfabetização, por exemplo."
3. Formação que não prepara para a aula
"Não é incomum ouvir de professores novos: 'não imaginava que seria tão difícil' ou 'não tenho a menor ideia de como agir em sala de aula'. Isso porque a formação não os prepara para a docência", afirma Olavo Nogueira.
Especialistas são unânimes em dizer que a formação atual dos professores não dialoga com a realidade que encontrarão dentro das escolas, nem com os desafios da educação para o século 21.
"O professor leva um choque de realidade: ele não aprendeu elementos para transformar a teoria em ação dentro da sala de aula", diz Miskalo.
No ensino médio, há uma dificuldade adicional: o deficit de professores formados nas disciplinas em que atuam, como química e física. Segundo o Censo Escolar de 2016, apenas 55% dos professores dessa etapa têm formação superior na área em que lecionam.
Essa é, na visão do Ministério da Educação, o maior desafio atual da docência. "São 2,2 milhões de professores e grande parte deles não é formada na área em que atua", diz nota do MEC à BBC Brasil, agregando estar finalizando uma política nacional de formação de professores articulada à nova Base Nacional Curricular, quando esta for homologada.
A formação atual tampouco acompanha as transformações na educação – cada vez mais multidisciplinar, centrada no aluno e incorporando habilidades socioemocionais, como trabalho em equipe e resolução de problemas.
"Bons educadores fazem isso quase instintivamente porque sabem que é importante, mas isso precisa ser explícito e planejado", afirma Miskalo.
O MEC afirma que isso será enfrentado com a nova Base Curricular.
"A base nacional está organizada por competências e norteará os currículos dos sistemas e redes de ensino. (…) No momento em que a Base for homologada, o MEC promoverá ações de formação a todas as redes e sistemas de ensino, para a preparação de currículo e professores. Dessa forma, o aprendizado terá sentido organizado nessas competências e não somente do ponto de vista de uma lista de aprendizados de conteúdos aleatórios", diz o ministério.
4. Defasagem e indisciplina dos alunos
Uma pesquisa realizada em 2015 pela Fundação Lemann perguntou a professores quais problemas requeriam solução mais urgente nas escolas, e dois dos mais citados foram a defasagem de aprendizado dos alunos e a indisciplina em sala de aula.
A cada cem alunos do ensino básico, cerca de 12 estão com um atraso escolar de dois anos ou mais, segundo dados de 2016 compilados pela plataforma QEdu.
"É diferente se preparar para dar aula para uma sala de crianças de dez anos e (ter na mesma sala) crianças de 14 anos, que têm outros interesses e percepções", explica Mônica Gardelli Franco, ex-professora e atual superintendente da organização Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).
Sobre a indisciplina, ela conta que os professores não costumam receber, em sua formação, ferramentas para lidar com a dispersão dos alunos e a falta de foco.
E o tempo gasto com isso consome minutos preciosos de aula, que deixam de ser usados na transmissão de conteúdo.
"Perco cerca de 60% do meu tempo em aula resolvendo conflitos paradidáticos, por exemplo falando de valores (sociais) ou da importância de preservar o bem público", lamenta, em entrevista à BBC Brasil, Jorge Jacoh Ferreira, 35 anos, professor da rede municipal do Rio no subúrbio carente de Santa Cruz.
O Ministério da Educação diz que o tema preocupa. "O MEC vem discutindo propostas e possibilidades acerca da formação de professores para atender a esses desafios", diz o órgão em nota.
Avanços:
1. Tecnologia a serviço da sala de aula
A tecnologia já ajuda gestores e professores a preparar aulas e acompanhar seus resultados.
O Google, por exemplo, disponibiliza ferramentas gratuitas para escolas públicas que permitem criar salas de aula na nuvem, distribuir tarefas, organizar avaliações e medir o desenvolvimento da turma.
Softwares de Inteligência Artificial já são parte da rotina de algumas escolas públicas e privadas brasileiras e, à medida que são usados pelos alunos, incorporam informações sobre eles para melhorar processos de aprendizagem.
"É um conjunto de ferramentas estatísticas que cria mais conhecimento quanto mais os alunos (a utilizarem)", disse à BBC Brasil em agosto Leonardo Carvalho, cofundador da empresa Geekie, que fornece o software. "Em uma sala com 50 alunos, o professor não consegue ver (a dúvida exata) de cada um. O programa faz isso de modo escalonado."
Por si só, a tecnologia não necessariamente impacta a educação de modo positivo. O importante, dizem especialistas, é que ela apoie (e não substitua) o docente.
"A tecnologia pode ocupar um espaço (de facilitar tarefas) e deixar o professor mais livre para a construção do pensamento crítico e analítico e das relações em sala de aula", diz Gardelli Franco, do Cenpec.
No Rio, Jorge Jacoh Ferreira diz que seus colegas já usam bancos de dados online para lançar notas, por exemplo. "A dificuldade é a infraestrutura: tem dias que a internet funciona; tem dias que não. Gostaria de usar o Google Earth nas minhas aulas, mas não consigo porque o 4G não funciona."
A infraestrutura é, de fato, um dos principais entraves ao uso da tecnologia. Segundo dados do Censo Educacional 2016 tabulados pelo QEdu, 68% das 183,3 mil escolas básicas do Brasil têm internet. A banda larga está disponível em apenas 56% delas.
2. Mais compartilhamento de boas práticas
Seja via grupos formados em suas próprias redes de ensino, seja por articulação própria nas redes sociais, os professores têm encontrado cada vez mais caminhos para compartilhar boas ideias para ajudar os colegas em sala de aula.
"O professor, quando ganha conectividade, está sempre em busca de novas referências e modelos", diz Gardelli Franco. "Os espaços virtuais favorecem muito isso. Os próprios professores constroem redes dentro de seus grupos, obtendo mais referências (para usar em sala de aula)."
"Já usei a ideia de um colega de São Gonçalo (RJ) que conheci vias redes sociais e que está dando bons resultados em sala de aula: um jogo de cartas que ajuda em interpretação de texto e pensamento estratégico", conta o professor Jorge Ferreira.
"Mas acho que isso ainda é algo feito totalmente por iniciativa dos próprios professores, que têm brigado muito para se articular por conta própria."
3. Mais possibilidades de formação
Especialistas e professores veem mais opções de cursos de pós-graduação e mestrados, bem como plataformas online gratuitas como Khan Academy e Coursera, que ampliam o leque de possibilidades de formação à distância.
No âmbito do Ministério da Educação há a Universidade Aberta do Brasil, sistema de universidades públicas que dá prioridade a professores na oferta de cursos de nível superior à distância.
Para o professor Jorge Ferreira, porém, é preciso que as redes de ensino valorizem a formação.
"Na minha rede, eu ganharia bônus de 7% com mestrado. Vou investir dois anos de estudo por um bônus medíocre?", questiona.
Segundo Olavo Nogueira, do Todos Pela Educação, "vemos que o mais eficiente são os programas de formação continuada, articulados, em que professores consigam observar uns aos outros em atuação. Há muitos cursos que, apesar do investimento alto, trazem pouca melhoria na prática."
Para concluir, Nogueira diz que o professor não vai resolver sozinho os problemas da educação – mas agrega que, sem eles, é bem possível que nenhum problema seja resolvido.
"Não tem atalho. Avançaremos pouco com a mudança da base curricular ou com a reforma do ensino médio, por exemplo, se não lidarmos com as questões (enfrentadas) pelos professores."